domingo, 24 de junho de 2018

O socialismo/comunismo é só uma utopia?



Por Antonio Julio de Menezes Neto



As aná­lises de Marx apon­tavam que a única so­lução para as con­tra­di­ções do ca­pi­ta­lismo seria su­perar o pró­prio ca­pi­ta­lismo, pois o sis­tema mu­ti­lava o ser-hu­mano ao apro­priar-se do tra­balho de outro e o ex­plo­rava. Ana­li­sava que já tí­nhamos uma pro­dução co­le­tiva que de­veria ser apro­priada de forma co­le­tiva pelos tra­ba­lha­dores.

Pouco de­pois da morte de Marx e En­gels, os par­tidos so­ci­al­de­mo­cratas, na época mar­xistas, co­me­çaram a crescer. Eduard Berns­tein, de­pu­tado, ainda em fins do sé­culo 19, vendo este cres­ci­mento na Ale­manha, ad­mitiu que Marx po­deria ter se equi­vo­cado em al­gumas aná­lises e que, pelas re­formas, se po­deria su­perar o ca­pi­ta­lismo. Chamou este re­for­mismo de "so­ci­a­lismo evo­lu­ci­o­nário". Karl Kautsky, na época, rompeu com Berns­tein, mas, um tempo de­pois as­sumiu esta pro­posta, in­clu­sive de­fen­dendo ser esta a pers­pec­tiva de Marx. Mas Marx nunca foi um re­for­mista e ana­li­sava as con­tra­di­ções do ca­pi­ta­lismo en­quanto sis­tema global. As es­pe­ci­fi­ci­dades (como a su­pe­rex­plo­ração do negro e o con­se­quente ra­cismo no Brasil para vi­a­bi­lizar nosso ca­pi­ta­lismo) fi­ca­riam por conta das aná­lises es­pe­cí­ficas. 

O sé­culo pas­sado co­nheceu re­vo­lu­ções im­por­tan­tís­simas, he­róicas, como a russa, a chi­nesa, a cu­bana, a vi­et­na­mita ou as afri­canas, que foram ten­ta­tivas de cons­truir o so­ci­a­lismo em es­tados pe­ri­fé­ricos, com muitos dramas e enormes di­fi­cul­dades. Ao fim, não lo­graram êxitos, apesar de grandes vi­tó­rias par­ciais. Ao lado destas Re­vo­lu­ções, ti­vemos o re­for­mismo que, pa­rece-me, é o que muitos pensam que restou para o so­ci­a­lismo. 

Sempre na de­fen­siva, sempre vendo fan­tasmas, sempre re­cu­ando. Em 1989, cai o muro e voam pe­dras até para a es­querda que fes­tejou. Em 1991, cai a URSS. A crise da es­querda so­ci­a­lista/co­mu­nista torna-se enorme. Com isso, as es­querdas passam a se or­ga­nizar em torno de dois eixos, que não ques­ti­onam fron­tal­mente o ca­pital: as opres­sões e o re­for­mismo. Re­for­mismo bem fraco, diga-se.

O ca­pital, por seu lado, nunca foi tão forte como nos tempos atuais Um cres­ci­mento hoje de 1% deve equi­valer a um cres­ci­mento de 5% de al­gumas dé­cadas atrás. Me­ga­em­presas, fu­sões, aqui­si­ções e o ca­pital fi­nan­ceiro tendo me­ga­lu­cros.  O ca­pital está à von­tade neste con­texto em que é pouco ques­ti­o­nado e onde so­bram apenas as “mi­ga­lhas” para os tra­ba­lha­dores e as classes po­pu­lares que muitas vezes se con­formam com pe­quenas bolsas para ga­rantir sua so­bre­vi­vência. 

E as es­querdas so­ci­a­listas, que que­riam grandes trans­for­ma­ções, o que fazem neste mo­mento? Estão lis­tando os ga­nhos de­cor­rentes das “mi­ga­lhas”, desde que sejam po­lí­ticas feitas por go­vernos que um dia ti­veram origem nas es­querdas, como no caso bra­si­leiro. Pas­saram a co­locar o "es­tado de di­reito" acima de tudo. Estão como sempre na de­fen­siva. Estão se ape­que­nando. E estão tri­lhando o fra­cas­sado ca­minho iden­ti­tário da es­querda dos EUA.

Di­ante deste quadro, po­de­ríamos per­guntar: Acabou o sonho? Berns­tein tinha razão? O mar­xismo, que ana­li­sava o co­mu­nismo como o fim das classes, da pro­pri­e­dade, do di­nheiro e do Es­tado, não passa de uma utopia?

Apesar de todas as di­fi­cul­dades com que nos de­fron­tamos, acre­dito que não. Marx fez uma pro­funda aná­lise da so­ci­e­dade ca­pi­ta­lista. É ló­gico que seus li­vros não podem ser so­mente uma exe­gese, pois sua fi­na­li­dade é para serem com­pre­en­didos, re­for­mu­lados e co­lo­cados em ação em cada re­a­li­dade con­creta, cada re­a­li­dade es­pe­cí­fica. 

Vejo a aná­lise de Marx como mé­todo de com­pre­ender a so­ci­e­dade ca­pi­ta­lista e o mar­xismo como sua apli­cação ade­quada aos di­versos temas e re­a­li­dades. Mas as aná­lises de Marx car­regam também seus de­sejos. É im­pos­sível cons­truirmos al­guma obra sem de­sejo, sem von­tade, sem um pouco de so­nhos e uto­pias. Não somos só ob­je­ti­vi­dade. Mas Marx não abria muitos es­paços para o re­for­mismo e con­ci­li­a­ções. Ao con­trário dos pos­te­ri­ores "mar­xismos".

Um grande equí­voco das es­querdas mar­xistas foi le­varem todas as lutas po­lí­ticas para a con­quista do Es­tado. Pas­saram a acre­ditar que, con­quis­tando o Es­tado, fa­riam as re­formas ou até su­pe­ra­riam o ca­pi­ta­lismo. Mas este pró­prio Es­tado também não era um com­po­nente do ca­pi­ta­lismo, como En­gels e Marx ha­viam mos­trado na “Ide­o­logia Alemã” ou na “Origem da Fa­mília, da pro­pri­e­dade e do Es­tado”? Mas, pior, as es­querdas so­ci­a­listas/co­mu­nistas foram re­bai­xando as lutas. Agora, qual­quer pe­quena re­forma já es­tava bem, já que a cor­re­lação de forças “não per­mitia ir além”. No fim, já se con­tenta com mi­ga­lhas. E, muitas vezes usando o nome do "mar­xismo". 

Che­gamos em um mo­mento em que, no Brasil, lutar contra a prisão de um po­lí­tico que fez um go­verno con­ci­li­ador, li­beral e eco­no­mi­ca­mente de di­reita já é su­fi­ci­ente porque o ex-pre­si­dente tem origem ope­rária e boa en­trada nas classes po­pu­lares e nos sin­di­catos. Não po­demos deixar que as grandes aná­lises de Marx, que os so­nhos de mi­lhões de tra­ba­lha­dores por um mundo eman­ci­pado seja tão re­bai­xado. 

A luta contra o ca­pital, o ca­pi­ta­lismo, a ex­plo­ração, a pro­pri­e­dade deve pros­se­guir. O mar­xismo é vivo e muito além de apenas uma sim­ples utopia.



An­tonio Julio de Me­nezes Neto é so­ció­logo e pro­fessor ti­tular na Fa­cul­dade de Edu­cação da UFMG.


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