sábado, 26 de novembro de 2011

Socialismo. Tentativa de periodização

Por Aluizio Moreira


Qualquer tentativa de periodizar a História, privilegiando os aspectos econômicos, ou os políticos ou os ideológicos, tem seu risco e sua insuficiência. O primeiro grande risco é o de facilmente identificarmos essa periodização com a visão unilinear da História, como por longo tempo se atribuiu a Marx ao admitir no Prefácio de "Contribuição à Crítica da Economia Política", que "os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade". O segundo, o de exigirmos uma univocidade de alguns elementos pertencentes a cada período, como se não fosse possível a sobrevivência desses alguns elementos ( econômicos, políticos e ideológicos), em momentos históricos subseqüentes.

Em termos de uma História das Idéias ( a das socialistas, por exemplo), junto a tudo isto, ainda há um perigo maior: o de se considerar as idéias como primordiais, autônomas, independentemente das condições materiais de existência. Outra é a consideração feita por Marx e Engels em "A Ideologia Alemã", quando afirmaram: "São os homens que produzem as suas representações, as suas idéias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. "

Em geral, desde o momento em que surge a propriedade privada dos meios de produção, e com ela os antagonismos de classe, levantaram-se vozes e surgiram movimentos, isolados sempre, contra as injustiças, os abusos da opulência, as esperanças de um futuro melhor, estivesse esse futuro na Terra ou nos Céus. As formas de se tantar "resolver" essas adversidades variaram: o chamado "pastoralismo" do Velho Testamento ( "baseado na propriedade irrestrita dos rebanhos", segundo Paul Sweezy); o isolamento praticado por seitas religiosas como os essênios; a busca de um Reino de Deus dos cristãos; a proposta de retorno ao "sistema primitivo de lavoura individual" dos Gracos; os desejos de vingança e liberdade, presentes nos levantes de escravos como o liderado por Espártaco; os movimentos monásticos e heréticos na Idade Média. O elemento comum, em todas essas propostas e movimentos, é que nenhuma tinha por ideal a implantação da propriedade comunal, coletiva, para toda sociedade, mas apenas para um setor de classe ou para os adeptos, "os eleitos", de uma seita religiosa qualquer. Nada disso a nosso ver, pode ser confundido com socialismo.

A primeira vez em que é colocada a questão da propriedade coletiva, igualitária, em termos de uma sociedade inteira ( e não apenas facções dela), surgiu no século XVI, se bem que de maneira romântica, como descrição de sociedades imaginárias, presentes nas obras de More e Campanella. E é a partir daí que tem início a História do Socialismo, para a maioria que se dedica ao seu estudo, embora esses autores, More e Campanella, sejam considerados como precursores, pertencentes a uma "pré-história" do Socialismo.

Ordenando melhor o que vimos até aqui, a História do Socialismo comportaria três fases: a) a dos precursores: More e Campanella; b) a do Socialismo Utópico: de Babeuf a Owen, passando por Winstanley, Mably, Morelly e Meslier; c) a do Socialismo Científico: a partir de Marx e Engels.

Mas como os próprios elaboradores do marxismo viram a questão? As obras de Marx e Engels que abordam o assunto nos fornecem alguns indicadores que nos permitem apresentar o seguinte: já no MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA de 1848, escrito a duas mãos, na sua Parte III - Literatura Socialista e Comunista - consideram três momentos no desenvolvimento do Socialismo, antes de se tornar teoria e prática operárias: 1) o socialismo reacionário (feudal, pequeno-burguês); 2) o socialismo conservador ou burguês; 3) o socialismo e o comunismo crítico-utópicos.

O primeiro - o socialismo reacionário - seria o socialismo "meio lamentação, meio escárnio: metade ecos do passado, metade ameaças ao futuro", que incluiria o "socialismo clerical", ascético, e o pensamento de Jean-Charles Sismondi, que teria demonstrado " irrefutavelmente os efeitos destruidores da maquinaria e da divisão do trabalho, a concentração dos capitais e da propriedade territorial, a superprodução, as crises, a ruína inevitável dos pequenos burgueses e dos pequenos camponeses, a miséria do proletariado, a anarquia na produção, a acintosa desproporção na distribuição das riquezas"(...).

O segundo - o socialismo conservador ou burguês - expressão da ideologia burguesa, cujos representantes ("economistas, filantropos, humanitários"), desejavam apenas "remediar os males sociais" como garantia para própria existência burguesa, obviamente sem "a supressão das relações burguesas de produção".

O terceiro - o socialismo e o comunismo crítico-utópicos - diz respeito aos sistemas elaborados por Saint-Simon, Fourier, Owen, que embora tenham reconhecido "o antagonismo das classes" e criticado "todas as bases da sociedade existente", na verdade pretendem "melhorar a situação de todos os membros da sociedade, inclusive dos mais privilegiados".

Dos fins de 1877 a 1878, Friedrich Engels publicou diversos artigos no jornal Vorwarts, reunidos no livro conhecido sob o título ANTI-DUHRING, nos quais alguns retomam a temática do socialismo do ponto de vista de seu desenvolvimento, mas limitando as análises aos sistemas elaborados pelos utópicos (Saint-Simon, Fourier e Owen).

Posteriormente Engels volta ao assunto no que êle chama de "folheto", intitulado SOCIALISMO UTÓPICO E SOCIALISMO CIENTÍFICO, elaborado a pedido de Paul Lafargue, publicado pela primeira vez na França em 1880. Segundo o próprio Engels no prefácio que escreveu para edição inglesa de 1892, esse "folheto" é uma reunião de três capítulos do Anti-Duhring (na edição portuguesa que nós temos, só a Seção Terceira do Anti-Duhring trata especificamente do Socialismo).

O que há de comum nas abordagens sobre o socialismo nas três publicações, é que este só é considerado como tal: 1 ) a partir da convergência das idéias de socialismo com o movimento operário, 2 ) como programa que pretende transformar a sociedade como um todo, pela supressão das relações burguesas de produção. Seria o fim do reinado da burguesia que desapareceria como classe. Dessa forma, nenhuma das propostas, por mais igualitárias que se apresentem mas que não sejam resultantes daquela convergência ( ítem 1), nem resultem naquela transformação radical da sociedade (ítem 2), podem ser encaradas como Socialismo Científico. A considerá-las como Socialismo, ganhariam outros adjetivos: literário, pequeno-burguês, reacionário, utópico. Não passam aquelas propostas, de expressões de "caráter puramente literário", preconizadoras de "um ascetismo universal e um grosseiro igualitarismo", decorrentes "apenas de uma concepção fantástica" de uma sociedade futura. No entanto, apesar daquelas limitações, correspondem "aos primeiros impulsos intuitivos" no sentido de "uma completa transformação da sociedade".

Assim, poderemos tentar elaborar uma periodização para a História do Socialismo desde suas origens aos dias de hoje, admitindo as seguintes etapas, mesmo que sejamos os primeiros a considerá-las discutíveis como todas periodizações: 

- 1516 a 1796. Período marcado pelos aparecimentos da "Utopia" (1516) de Thomas More" e "A Cidade do Sol" ( 1623) de Tommasio Campanella; pelos trabalhos e atuações de Winstanley, Mably, Morelly, Meslier e Babeuf com a "Conspiração dos Iguais" (1796).

- 1796 a 1848-50. Corresponde ao surgimento dos socialistas utópicos Saint-Simon, Fourier, Owen; à elaboração dos pensamentos anarquista e marxista; à criação da Liga dos Justos (1836), posteriormente transformada na Liga dos Comunistas (1846); pela redação por Marx e Engels do "Manifesto do Partido Comunista" (1847-1848), apresentado como programa político dessa mesma Liga.

- 1848-50 a 1871. Período de intensa atividade socialista, não só pela difusão dos ideais do socialismo e do comunismo, como pela penetração dessas idéias no movimento operário; acontece a fundação (1864) e as atividades da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT); surgem as polêmicas entre marxistas e anarquistas; acontece a primeira experiência histórica da tomada do poder pelos trabalhadores, a Comuna de Paris (1871), cujas repressões em grande escala, ocasionando prisões e exílios de trabalhadores e socialistas, provocarão um refluxo nos movimentos operário e socialista.

- 1871 a 1914. Corresponde à afirmação do pensamento marxista, até então de grande influência apenas na Alemanha; funda-se a II Internacional (1889); aparecem a chamada ortodoxia marxista (Karl Kautsky, Eduard Bernstein) e a corrente inovadora ligada aos nomes de Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, V. I. Lênin, Leon Trotsky, Nikolai Bukharin.

- 1914 a 1956. Este período é marcado pelo grande ciclo de Revoluções Socialistas, iniciado com a Revolução Bolchevique na Rússia (1917). Tornam-se socialistas a Mongólia (1924), o Leste Europeu (1944-1948), o Vietnã do Norte ( 1945), a Coréia do Norte ( 1948), a China ( 1949). Formada desde 1919 sob a liderança de Lênin, a III Internacional (Internacional Comunista) exercerá um grande papel no sentido da formação, expansão, aglutinação e orientação das atividades dos Partidos Comunistas em todo mundo. Surgem o maoísmo, o stalinismo, o austro-marxismo. São formadas a IV Internacional e a Internacional Socialista. Difunde-se o chamado marxismo ocidental (Antonio Gramsci, Gyorgy Lukács, Lucien Goldmann, Louis Althusser, entre outros) e cria-se a Escola de Frankfurt ( Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Jürgen Habermas). O marxismo, como idéia e como prática revolucionária é difundido pelos países do terceiro mundo, inclusive América Latina, com fundações de Partidos Comunistas durante toda a década de 20.

- 1956 à atualidade. Realiza-se em 1956 o XX Congresso do PCUS, que inicia o processo de "desestalinização". Em 1959 acontece a Revolução Cubana e vários movimentos armados estouram na América Latina sob sua influência. Surgem os primeiros movimentos "liberalizantes"e reformistas no mundo socialista com a insurreição húngara (1956), a Escola de Budapeste, a Primavera de Praga (1968), o eurocomunismo na Europa Ocidental (1975/76), o movimento Solidariedade (1980). Grandes mudanças ocorrem nas sociedades de socialismo real (URSS e Leste Europeu) a partir da Perestroika (1985) e da queda do muro de Berlim (1989): desintegração dos regimes comunistas da Europa Oriental (1989), reunificação da Alemanha (1990), início da desintegração da Iugoslávia e fim das URSS (1991), criação da República Eslovaca e da República Tcheca (1993) independentes. O marxismo passa por momentos críticos de reavaliação, revisão e reinterpretação.

É no bojo dessa reavaliação, revisão e reinterpretação, que muitos abandonam os princípios da dialética materialista e do materialismo histórico, ou seja, deixaram de ser marxistas, se alguma vez o foram. Vaticina-se o fim do comunismo. Muitos partidos mudam de nome... e de princípios. Mas ao mesmo tempo, para além das crises, são retomadas discussões acerca das teorias e das práticas do marxismo, que abrem novas perspectivas revolucionárias para o futuro. 

1 comentário: