sexta-feira, 15 de março de 2013

14 de março de 1883: Karl Marx In memoriam


Por Aluizio Moreira

Sem qualquer dúvida nenhum outro pensador influenciou tanto a História da Humanidade como Karl Heinrich Marx. Seu pensamento não só possibilitou interpretar melhor o mundo, mas abriu caminhos para sua transformação.

O fato das tentativas daquela transformação na URSS e Leste europeu terem culminado numa crise sem precedente na história do comunismo, a ponto abalarem militantes, teóricos que passaram a desacreditar, não só nas possibilidades da construção de uma sociedade alternativa ao capitalismo, como até mesmo por em dúvidas o próprio marxismo.

Passados os anos de euforia dos antimarxistas de todos os matizes, submersos numa crise do sistema capitalista acontecida na virada do século XX para o século XXI, “a crise global revigorou o marxismo”, como afirma o sociólogo sueco Göran Therborn.

Essa retomada do marxismo, não pode espelhar-se nas realidades sociais e econômicas do século XIX. É de fundamental importância diagnosticarmos os elementos da crise e derrocada do “socialismo realmente existente”.

Como afirmaram Roger Keeran e Thomas Kenny (historiador e economista, respectivamente), militantes comunistas norte-americanos em entrevista ao jornal “AVANTE!” do Partido Comunista Português: «A interpretação do colapso soviético envolve um combate pelo futuro. As explicações ajudarão a determinar se no século XXI os trabalhadores irão uma vez mais “lançar-se ao assalto do céu” para substituir o capitalismo por um sistema melhor

KARL MARX

São incontáveis as obras, artigos, entrevistas que apresentam a biografia, interpretam e re-interpretam Marx como teórico, como articulador do movimento comunista, como revolucionário, como criador e sistematizador (juntamente com Friedrich Engels), do “socialismo cientifico”.

Abaixo apresentamos em rápidas pinceladas, uma pequena biografia de Marx.

Karl Heinrich Marx nasceu no dia 05 de maio de 1818, em Treves, província alemã do Reno. Filho de Henriette Marx e de Heinrich Marx, advogado que converteu-se em 1824 ao protestantismo.

Depois de ter terminado os seus estudos no liceu de Treves, Marx entrou na Universidade de Bonn e depois na de Berlim, onde estudou Direito, trocando-o depois pelo curso de Filosofia. Nessa época de estudante  adere ao círculo dos “hegelianos de esquerda”. Ao sair da Universidade, fixou-se em Bonn, onde pretendia tornar-se professor. Mas  o fato do governo ter assumido uma política visivelmente contra os hegelianos de esquerda – Ludwig Feuerbach fora demitido em 1832 de sua cadeira de professor e Bruno Bauer, também professor,  ter sido proibido de proferir palestras para a comunidade acadêmica – obrigou Marx a desistir de seguir a carreira de professor universitário.

Em 1841 envia para a Universidade de Iena sua tese “A Diferença entre a Filosofia da Natureza em Demócrito e Epicuro”, o que lhe confere o título de Doutor em Filosofia.

Com o título conseguido na Universidade de Iena, fixou-se em Bonn, onde pretendia tornar-se professor. Mas  o fato do governo ter assumido uma política visivelmente contra os hegelianos de esquerda – Ludwig Feuerbach fora demitido em 1832 de sua cadeira de professor e Bruno Bauer, também professor,  ter sido proibido de proferir palestras para a comunidade acadêmica – obrigou Marx a desistir de seguir a carreira de professor universitário.

O aparecimento, em Colônia,  do jornal de  Gazeta Renana em janeiro de 1842, abriu espaço para os hegelianos de esquerda: Karl Marx e Bruno Bauer, passaram a ser seus principais colaboradores. Em outubro do mesmo ano, Marx tornou-se redator-chefe desse jornal, mudando-se de Bonn para Colônia. Sob a direção de Marx, o jornal  reforçou cada vez mais sua tendência democrático-revolucionária, levando o governo a submete-lo à censura, acabando por ordenar sua suspensão definitiva em 1843, mesmo após Marx ter deixado seu posto de redator. 

Em 1843, Marx casou-se, em Kreuznach, com Jenny von Westphalen, de uma família nobre e reacionária da Prússia, amiga de infância, de quem já era noivo, desde o tempo de estudante. Ainda nesse ano, após ter recusado um cargo oferecido pelo irmão mais velho de Jenny, que trabalhava no governo prussiano, Marx foi para Paris com o objetivo de editar no estrangeiro, em colaboração com Arnold Ruge, a revista Anais Franco-Alemães, que pelas dificuldades de sua difusão clandestina na Alemanha, teve de ser suspensa, após o aparecimento do primeiro e único fascículo.

Em 1844, teve o primeiro contato com Friedrich Engels que esteve em Paris por alguns dias, nascendo daí uma grande amizade e identificação ideológica, que os tornariam inseparáveis como companheiros e revolucionários. Colabora com o Vorwarts, jornal dos revolucionários alemães, editado em Paris.

Em 1845, a pedido do governo prussiano, Marx foi expulso de Paris como revolucionário perigoso. Foi para Bruxelas, onde fixou residência, entrando em contato com várias organizações de operários comunistas alemães, bem como com os socialistas e radicais belgas, formando uma rede de comunicações com organizações de outros países.

No ano  de 1847, Marx e Engels filiaram-se à Liga dos Justos, que no seu último Congresso, seria transformada em Liga dos Comunistas, na qual ambos tiveram um papel destacado na elaboração do “Manifesto do Partido Comunista”, tarefa para a qual foram incumbidos pela própria Liga.

Quando eclodiu a revolução de Fevereiro de 1848, Marx foi expulso da Bélgica, a pedido do governo prussiano, regressando novamente a Paris de onde foi expulso, para a Alemanha, fixando mais uma vez em Colônia. Foi aí que apareceu a Nova Gazeta Renana – de junho de 1848 a maio de 1849 -  da qual Marx foi seu redator-chefe.

A contra-revolução vitoriosa arrastou Marx ao tribunal (foi absolvido em 9 de Fevereiro de 1849), expulsando-o da Alemanha (em 16 de Maio de 1849), obrigando-o a  voltar  então para Paris, de onde foi igualmente expulso após a manifestação de 13 de Junho de 1849, partindo então para Londres, onde viveu até ao fim dos seus dias.

No final dos anos 50 e nos anos 60, a retomada dos movimentos operário e socialista, levou Marx a voltar ao trabalho prático, empenhando-se na mobilização dos trabalhadores, da qual resultou a fundação,  em 1864 (em 28 de Setembro), em Londres,  da Associação Internacional dos Trabalhadores, que ficou mundialmente célebre como I Internacional.

Em Dezembro de 1881, morre  sua mulher. Dois anos depois, em janeiro de 1883, falece sua filha Jenny em Paris. A partir daí, o estado de saúde de Marx se agrava, com crises de bronquite, inflamação na garganta que o impedia de falar e de comer, infecção pulmonar. No dia 14 de Março de 1883, Marx falece enquanto dormia. Foi enterrado junto da sua mulher no cemitério de Highgate, em Londres.

Segundo um dos seus biógrafos – Jean Bruhat – aos seus funerais poucas pessoas compareceram: Engels, sua filha Eleanor, seus dois genros Paulo Lafargue e Charles Longuet, sua futuro genro Edward Aveling, Gottlieb Lemke, membro da Sociedade de Educação Operária dos Trabalhadores Alemães em Londres, o operário Friedrich Lessner, o carpinteiro Georg Lochner, o químico Karl Schorlemmer e o biólogo inglês Ray Lancaster.

Entre as  obras deixadas por Marx, citamos: "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" - 1843; "A Questão Judáica" - 1843; “Manuscritos Econômico-Filosóficos” - 1844; “Teses sobre Feuerbach” - 1845; “Miséria da Filosofia” – 1847; “O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte” – 1852; “Elementos Fundamentais para a Crítica da Economia Política” – 1857/58; “Contribuição para a Crítica da Economia Política” – 1859; “O Capital” (Tomo I) – 1867; “A Guerra Civil na França” – 1871; “Crítica do Programa de Gotha” - 1874.

Em colaboração com Engels, escreveu: “A Sagrada Família” (1845), “A Ideologia Alemã” (1846), “Manifesto do Partido Comunista” (1848).

DISCURSO DE ENGELS DIANTE DO TÚMULO DE MARX

A 14 de Março, um quarto para as três da tarde, o maior pensador vivo deixou de pensar. Deixado só dois minutos apenas, ao chegar, encontramo-lo tranquilamente adormecido na sua poltrona — mas para sempre.

O que o proletariado combativo europeu e americano, o que a ciência histórica perderam com [a morte de] este homem não se pode de modo nenhum medir. Muito em breve se fará sentir a lacuna que a morte deste [homem] prodigioso deixou. 

Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que, portanto, a„produção dos meios de vida materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento econômico de um povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente. 

Mas isto não chega. Marx descobriu também a lei específica do movimento do modo de produção capitalista hodierno e da sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia fez-se aqui de repente luz, enquanto todas as investigações anteriores, tanto de economistas burgueses como de críticos socialistas, se tinham perdido na treva. 

Duas descobertas destas deviam ser suficientes para uma vida. Já é feliz aquele a quem é dado fazer apenas uma de tais [descobertas]. Mas, em todos os domínios singulares em que Marx empreendeu uma investigação — e estes domínios foram muitos e de nenhum deles ele se ocupou de um modo meramente superficial —, em todos, mesmo no da matemática, ele fez descobertas autônomas.

Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar — sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e, por último, ainda as de Mare Deprez nos últimos tempos.

Pois, Marx era, antes do mais, revolucionário. Cooperar, desta ou daquela maneira, no derrubamento da sociedade capitalista e das instituições de Estado por ela criadas, cooperar na libertação do proletariado moderno, a quem ele, pela primeira vez, tinha dado a consciência da sua própria situação e das suas necessidades, a consciência das condições da sua emancipação — esta era a sua real vocação de vida. A luta era o seu elemento. E lutou com uma paixão, uma tenacidade, um êxito, como poucos. A primeira Rheinische Zeitung[N47] em 1842, o Vorwärts![N126] de Paris em 1844, a Brüsseler Deutsche Zeitung[N53] em 1847, a Neue Rheinische Zeitung em 1848-1849(2*), o New-York Tribune[N62] em 1852-1861 — além disto, um conjunto de brochuras de combate, o trabalho em associações em Paris, Bruxelas e Londres, até que finalmente a grande Associação Internacional dos Trabalhadores surgiu como coroamento de tudo — verdadeiramente, isto era um resultado de que o seu autor podia estar orgulhoso, mesmo que não tivesse realizado mais nada.

E, por isso, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado do seu tempo. Governos, tanto absolutos como republicanos, expulsaram-no; burgueses, tanto conservadores como democratas extremos, inventaram ao desafio difamações acerca dele. Ele punha tudo isso de lado, como teias de aranha, sem lhes prestar atenção, e só respondia se houvesse extrema necessidade. E morreu honrado, amado, chorado, por milhões de companheiros operários revolucionários, que vivem desde as minas da Sibéria, ao longo de toda a Europa e América, até à Califórnia; e posso atrever-me a dizê-lo: muitos adversários ainda poderia ter, mas não tinha um só inimigo pessoal.

O seu nome continuará a viver pelos séculos, e a sua obra também!

F. Engels, Londres, 17.03.1883.

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